“PL da Devastação” representa um dos maiores retrocessos ambientais da história do Brasil. O que acontece agora?
- Frente Parlamentar Ambientalista
- há 2 dias
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Apesar dos apelos da sociedade civil, da comunidade científica e da bancada ambientalista, texto que enfraquece o licenciamento ambiental avança na Câmara e agora segue para sanção presidencial

Na madrugada do último dia 17 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou em definitivo o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”. A proposta desmonta pilares do licenciamento ambiental no Brasil, ampliando mecanismos de autolicenciamento, flexibilizando normas para empreendimentos estratégicos e isentando o agronegócio da necessidade de licenciar suas atividades.
O projeto agora segue para a sanção do presidente Lula (PT), que poderá vetá-lo total ou parcialmente. No entanto, com um Congresso majoritariamente alinhado a interesses ruralistas, qualquer veto corre o risco de ser derrubado em sessão conjunta de deputados e senadores.
Um projeto rejeitado por ambientalistas e especialistas
Originalmente aprovado na Câmara em 2021, o texto retornou à Casa neste mês após a inclusão de emendas ainda mais permissivas feitas pelo Senado em maio deste ano. Segundo o Observatório do Clima, trata-se de uma “destruição” do licenciamento ambiental no país. “O licenciamento está sendo esfaqueado a ponto de ser inefetivo”, alertou o secretário-executivo da entidade, Marcio Astrini.
Entre os principais retrocessos trazidos pelo PL estão:
Expansão da Licença por Adesão e Compromisso (LAC): permite que empresas se autolicenciem, mesmo em empreendimentos de médio porte e com potencial de causar significativos danos ambientais.
Criação da Licença Ambiental Especial: uma brecha para acelerar obras consideradas estratégicas pelo governo, como portos, hidrelétricas ou exploração de petróleo, sem passar por análises rigorosas.
Dispensa de licenciamento para o agronegócio: atividades agrícolas ficam totalmente isentas do processo, independentemente do seu impacto ambiental.
Fragilização da proteção de povos indígenas e quilombolas: o texto ignora comunidades cujos territórios ainda não foram oficialmente demarcados.
Risco direto à Mata Atlântica: o PL desconsidera as regras específicas da Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006), permitindo que empreendimentos nesse bioma utilizem o modelo mais flexível e permissivo de licenciamento. Isso abre brechas para a supressão de vegetação nativa, inclusive em áreas de regeneração e nascentes, enfraquece exigências legais e ameaça décadas de políticas voltadas à recuperação de um dos biomas mais ameaçados do país.

Tentativas frustradas de articulação
A Frente Parlamentar Mista Ambientalista, coordenada pelo deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), atuou intensamente contra a aprovação do PL. No dia 8 de julho, realizou uma reunião com parlamentares, assessorias e entidades da sociedade civil para organizar uma resposta ao avanço do projeto. Já no dia 15, promoveu uma coletiva de imprensa alertando para os impactos sociais e ambientais da proposta.
Durante a coletiva, foi entregue um manifesto assinado por diversas frentes parlamentares e mais de 350 organizações da sociedade civil, denunciando o retrocesso institucional que o PL representa. O documento reafirmava o compromisso com o Pacto pela Transformação Ecológica, lançado em 2023 pelos Três Poderes, e apelava pelo adiamento da votação para que houvesse mais debate e diálogo com a sociedade. O apelo, no entanto, não foi atendido.
Apoio silencioso e estratégia política

Embora o Ministério do Meio Ambiente, liderado por Marina Silva, tenha atuado até o último momento para tentar impedir a aprovação do projeto, o governo federal não apresentou consenso. Parlamentares de partidos da base governista, como União Brasil, PSD e MDB votaram majoritariamente a favor do PL. O próprio líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), avalizou a inclusão da proposta na pauta da última semana antes do recesso parlamentar.
O relator do texto, deputado Zé Vitor (PL-MG), mesmo após reuniões com Marina Silva e diante de críticas generalizadas, afirmou que não havia mais como barrar a tramitação. “Oitenta por cento do governo quer a aprovação do texto”, disse à imprensa. Na prática, a votação consolidou um movimento que já vinha sendo articulado nos bastidores desde o ano passado.
O que acontece agora?
Com a aprovação nas duas casas legislativas, o texto será enviado para o presidente Lula, que poderá vetá-lo total ou parcialmente. Fontes do governo indicam que o mais provável é que ele vete apenas alguns trechos considerados mais críticos e encaminhe um projeto de lei ou medida provisória para ajustar pontos sensíveis.
No entanto, em um Congresso dominado por interesses ruralistas a derrubada de vetos é altamente provável. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) é autor da emenda que facilita o licenciamento de “projetos estratégicos”, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que beneficia diretamente seu estado.
“O PL afronta vários artigos da Constituição e promove uma guerra fiscal ambiental entre os estados”, afirmou o coordenador da Frente Ambientalista, deputado Nilto Tatto. “A consequência disso será mais judicialização, mais morosidade e, infelizmente, mais tragédias socioambientais.”
Mais uma boiada passou
A aprovação do PL 2.159/2021 escancara o descompasso entre o discurso de compromisso ambiental e as práticas do Legislativo brasileiro. O que deveria ser um marco para modernizar e fortalecer o licenciamento ambiental foi transformado em uma licença aberta para a destruição.
A sociedade civil, os cientistas e os defensores do meio ambiente seguem mobilizados para resistir. Como define o manifesto das Frentes Parlamentares: "Ao rebaixar a proteção ambiental e a participação da sociedade no processo de licenciamento, o parlamento estará golpeando a própria democracia e retrocedendo no imperativo da transição ecológica imposto pela crise climática-ambiental."
Mais uma vez, a boiada passou. E desta vez, em marcha acelerada.
Larissa Nunes - (Com informações da Frente Parlamentar Ambientalista, Observatório do Clima e SUMAÚMA)
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