A Comissão de Meio Ambiente (CMA) realizou nesta quinta-feira (16) a segunda audiência pública sobre o projeto que redefine os critérios de compensação financeira aos entes federados pela exploração de energia hidrelétrica. Para os críticos ao PL 2.918/2021, o texto levará a aumento de tarifas e porá em risco o financiamento do Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos), mas os defensores da proposição consideram que os novos critérios farão justiça aos municípios prejudicados com a defasagem dos repasses.
De acordo com o projeto, que altera as leis 7.990, de 1989, 9.648, de 1998 e 8.001, de 1990, o método de cálculo será baseado na receita bruta total em vez da energia gerada no mês, cabendo 6,25% a serem distribuídos entre União, estados e municípios que tenham usinas ou barragens, e 0,75% para o gerenciamento de recursos hídricos no Ministério do Meio Ambiente. As geradoras continuariam a excluir tributos e empréstimos da compensação.
O autor do projeto, senador licenciado Luis Carlos Heize (PP-RS), argumenta que a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) — que já é paga a estados e municípios que tiveram áreas alagadas por reservatórios de hidrelétricas — tem valores defasados por “intervenções indevidas” na base de cálculo.
O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), relator da proposição, é o autor do requerimento das audiências públicas: a primeira foi realizada em 9 de abril, quando os técnicos convidados também apresentaram posições divergentes sobre a oportunidade do PL 2.918/2021.
‘Desvio de finalidade’
Alessandra Torres de Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas (ABRAPCH), criticou o projeto por levar a “desvio de finalidade” do CFURH, comprometendo o orçamento da Agência Nacional de Águas (ANA) e prejudicando o gerenciamento de recursos hídricos.
— Alterar a base de cálculo traz insegurança jurídica para os contratos existentes. O aumento do custo da energia traz impacto direto na inflação — alertou.
A presidente da ABRAPCH argumentou que o Brasil ainda explora menos de um terço de seu potencial hidrelétrico, e o desenvolvimento do setor tem como obstáculo um “discurso ambiental descabido, desmedido e pouco transparente”.
O PL 2.918/2021 deve ser rejeitado, opinou Camilla Fernandes, diretora da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage). Ela repercutiu estimativa de um impacto de R$ 2 bilhões na tributação do setor, o que deverá ser repassado às tarifas de energia e provocará um impacto negativo sobre toda a economia.
— A energia elétrica impacta em todos os serviços e produtos: no arroz, na carne, no caderno escolar, nos medicamentos.
Camilla Fernandes defendeu a estratégia da tarifa de referência, que considera adequada e necessária para o setor, enquanto o projeto em debate exporia a base de cálculo à volatilidade de preços e à falta de transparência.
Impactos
Alexandre Uhlig, diretor de Assuntos Socioambientais do Instituto Acende Brasil, também considera que o projeto traz “ameaças” ao setor elétrico e ao consumidor de energia. Ele criticou os critérios propostos para redivisão da CFURH, disse temer a judicialização dos contratos de geração, e advertiu que, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 123 pequenas usinas hidrelétricas passariam a pagar a contribuição financeira.
— Os impactos do aumento da compensação financeira gerarão impactos na conta de luz — previu.
O secretário executivo do Observatório da Governança das Águas, Angelo Lima, citou a tragédia das enchentes do Rio Grande do Sul para sublinhar a importância do Singreh, que, nos termos do projeto de lei, poderia perder os 0,75% atualmente cobrados sobre o valor da energia gerada.
— O impacto seria o de diminuir de R$ 235 milhões para apenas R$ 24 milhões. Isso se repassasse para o Singreh. Seria um impacto profundo para manutenção, por exemplo, da rede hidrometerorológica nacional.
Eventos extremos
Representando o Ministério do Meio Ambiente, Iara Bueno Giacomini, diretora do Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas, Acesso à Água e Uso Múltiplo dos Recursos Hídricos, também associou o texto do projeto à possibilidade de restrição ao monitoramento de eventos climáticos extremos — situação que levará a prejuízos ao próprio setor hidrelétrico, ressaltou:
— A destinação para o Singreh resulta atualmente em externalidades positivas, abrangentes e estruturantes para todo o país, e não apenas a alguns municípios.
Em sua opinião, a falta de clareza e transparência no cálculo da CFURH, apresentada como justificativa para o projeto em debate, é uma “falha” que pode ser resolvida com a interlocução da Aneel, sem a necessidade de alterações de critérios de cálculo.
Dupla incidência
Josiani Napolitano, diretora de Relações Institucionais da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), defendeu os critérios atuais de cálculo da CFURH, alertando que os geradores poderão ser submetidos a uma dupla incidência de encargos.
— Seria um ônus adicional que ainda poderia prejudicar os empreendimentos.
O coordenador geral do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH), Maurício Scalon, disse que o projeto gera uma política “muito complicada” e também previu prejuízos ao Singreh. Nelson Ananias Filho, coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), associou o fortalecimento do gerenciamento dos recursos hídricos com a preservação da segurança alimentar do país.
‘Erro histórico’
N direção oposta, Flávio Henrique Magalhães Lima, representando a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento do Estado da Bahia (SIHS/BA), a luta pelo PL 2.918/2021 não é pelo aumento da arrecadação dos municípios, mas pelo respeito aos direitos dos entes federados prejudicados por um “erro histórico” de cálculo. Ele avalia que, convertido em lei, o projeto poderá impedir a criação de um enorme “cadáver” de judicialização de compensações financeiras:
— Essas diferenças (…) que os municípios não vêm recebendo estão se transformando em diversos litígios judiciais. Isso não é salutar para os investimentos.
Porém, Iara Giacomini, respondendo a pergunta recebida pelo e-Cidadania, manifestou reservas à possibilidade de pouco mais de 200 municípios receberem recursos adicionais para fazer “o que bem entendessem”, não necessariamente o gerenciamento de suas águas.
— Nada contra os municípios lutarem pelos seus direitos de terem mais recursos. (…) Esses recursos não podem é sair dos 0,75% destinados à Agência Nacional de Águas.
Terezinha Sperandio, secretária executiva da Associação Nacional dos Municípios Sedes de Usinas Hidroelétricas e Alagados (Amusuh), definiu o projeto como um meio de questionar a falta de transparência nos repasses aos municípios. Ela disse que a entidade acompanha desde 2013 situações “não claras” envolvendo a CFURH:
— Visitamos todos os órgãos para buscar informações e tentar entender toda essa realidade. Não tivemos uma vírgula de abertura de qualquer órgão.
Barragens
O senador Ireneu Orth (PP-RS) defendeu a construção de barragens. Citando o exemplo de seu estado, ele considera que as estruturas poderão regular a vazão dos rios, evitando episódios de secas e enchentes. Porém, conforme ressaltou, muitas vezes a falta de liberação ambiental impede o atendimento aos muitos pedidos de construção de pequenas centrais hidrelétricas.
— Tudo impacta. Tudo é água, tudo é energia: são as coisas essenciais.
Presidindo a audiência, Nelsinho Trad anunciou a formação de um grupo de trabalho sobre o projeto.
— [O objetivo é] avançarmos numa proposta para conclusão do relatório final.
Fonte: Agência Senado
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