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Acordos sobre multas ambientais vão financiar maior programa de restauração do país, diz presidente

Infratores receberão descontos para que o dinheiro chegue mais rapidamente ao governo e resulte em regeneração



A ideia de converter a cobrança de multas em financiamento de programas de recuperação ambiental estava pronta já em 2017. O governo que assumiu em 2018 não a aproveitou. Agora, Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama desde fevereiro, pretende transformar a iniciativa no maior projeto de restauração ambiental do país. O modelo consiste em oferecer descontos aos autuados por infrações ambientais – muitos são grandes empresas –, evitando que as multas se tornem disputas judiciais e usando a verba para custear programas de recuperação.


Em entrevista a Um Só Planeta, Agostinho revela que essas ações começaram. “Reservamos R$ 104 milhões para o rio São Francisco por meio de acordo de conversão firmado com a Petrobras”, diz. O presidente do Ibama diz ainda que o órgão voltou a analisar o pedido para exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, após a sua negativa ao pedido feito pela petroleira. A nova decisão será, diz ele, embasada pelo mesmo levantamento técnico.



Rodrigo Agostinho assumiu a presidência do Ibama depois de atuar como deputado federal na Frente Ambientalista do Congresso Nacional — Foto: Divulgação/Câmara dos Deputados


Confira os principais trechos da entrevista:


Como você tem lidado com a pressão dos parlamentares ruralistas sobre as fiscalizações e embargos de áreas na Amazônia?

Estou falando com todos que me procuram. Encaro isso como algo natural, toda ação gera uma reação. A gente está trabalhando de uma maneira muito firme, muito dura. Estamos aplicando uma tolerância próxima de zero com o desmatamento e autuando. A gente tem recebido a visita de deputados, senadores, governadores. Todo mundo está preocupado, porque, obviamente, esse tipo de ação restringe a atividade econômica. Acho natural que tenha resistência, que as pessoas busquem uma outra solução. O que a gente tem dito é que, na medida do possível, queremos que essas pessoas venham para a legalidade. Não temos nenhum interesse em manter ninguém na ilegalidade.


Como as áreas de fiscalização e embargos são definidas?

Existe um micro desmatamento que, para nós, não é prioridade. Temos, obviamente, trabalhado nos municípios prioritários, aqueles municípios que concentram maior taxa de desmatamento, olhando as grandes áreas, tanto públicas quanto privadas. A ferramenta principal de trabalho é o auto de infração, com o embargo e a proibição de utilização dessas áreas. Sabemos que, em determinados municípios de alguns estados, o desmatamento foi muito alto nos últimos tempos. Essas áreas estão sendo embargadas, muitas vezes de forma remota, porque retomamos a nossa capacidade de fazer isso sem precisar, necessariamente, ir até a área. Se eu sei quem está na área, se tenho o cadastro da propriedade e vejo pelas imagens que houve desmatamento ilegal ali, não faz sentido descer com helicóptero lá só para fazer um auto de infração. Posso fazer aqui do computador do Ibama.


Quais Estados estão mais incomodados com as ações?

As maiores bancadas que a gente recebeu foram as de Rondônia e do Pará, que hoje é o estado com maior protagonismo no combate ao desmatamento e que vai sediar a COP 30. Há um número muito grande de embargos, no sul do Amazonas, onde estão concentradas altas taxas de desmatamento. São visitas de políticos dessas regiões.


Qual é a consequência desses embargos?

Há consequências diretas. Os bancos começam a restringir o financiamento para áreas embargadas. Frigoríficos estão buscando meios de deixar de comprar gado de área embargada. Empresas de soja também estão deixando de negociar com áreas embargadas.


Como garantir que uma área embargada não continue a ter operações ilegais?

O Ibama e o ICMBio estão determinando o cumprimento dos embargos, porque não é só embargar e colocar no sistema. É preciso publicizar oficialmente essa informação. Se a pessoa continua tendo boi na área embargada, por exemplo, corre o risco de perder esse boi. Se ela tem soja na área, corre o risco de ficar sem essa produção. Então, a gente está sendo muito duro com isso e conseguindo bons resultados no interior da Amazônia.


Qual o próximo passo da fiscalização?

Vamos seguir avançando, melhorando a nossa capacidade de separar o legal do ilegal. E isso vale não só para a Amazônia, mas também para o Cerrado. A situação neste bioma é diferente. A gente está embargando áreas no cerrado, mas uma boa parte do desmatamento que ocorre nesta região é avalizada pelos estados. Então, é uma outra realidade e a gente vai precisar de outras ferramentas para avançar nesta área.


As pessoas têm reclamado de que não existia regras claras sobre as áreas embargadas. Para evitar a subjetividade, foram publicadas instruções normativas no mês de junho, regulamentando o embargo de áreas públicas sobre os autos de infração. Não tem nenhuma novidade, apenas deixamos claro num único documento todas as regras. Isso é bom, inclusive, para o autuado, que sabe como é que ele vai se defender, os prazos envolvidos, como a multa vai ser julgada, como o embargo foi decidido.


Há um problema histórico no Ibama sobre aplicação de multas que nunca são pagas. Como resolver isso?

Nos últimos anos, o governo estava empurrando todo mundo para aquela ideia de conciliação, o que nunca funcionou. Nós retomamos as conversões, publicamos uma regulamentação mais clara sobre os autos de infração e sobre os embargos em áreas públicas. Nosso programa prevê descontos de valores para os autuados que podem chegar a até 60%. Esse dinheiro passa a financiar ações de recuperação ambiental.


Que tipo de ações devem começar a receber esses recursos?

Começamos com medidas voltadas à reestruturação do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), para recuperar o programa dos quelônios da Amazônia e medidas de restauração florestal.

Havia um plano de utilizar esses recursos na restauração das margens do rio São Francisco, que sofrem com assoreamento e invasões. Como está essa iniciativa?


Vamos retomar essa iniciativa. Será um grande projeto. Queremos chamar, nos próximos 30 dias, as entidades que tiveram projetos de recuperação do São Francisco já aprovados, mas que foram abandonados pelo último governo. Queremos saber se elas querem continuar com esses projetos, se seguem envolvidas com essas iniciativas, para então financiar as ações.


Qual é o aporte previsto para a recuperação do São Francisco com a conversão de multas?

Já conseguimos reservar R$ 104 milhões para o rio São Francisco por meio de acordo de conversão firmado com a Petrobras. A verdade, portanto, é que esse movimento já começou. Esse valor será usado para replantar a mata ciliar do rio São Francisco, na região do Vale do Urucuia, envolvendo dez cidades de Minas Gerais e duas de Goiás. Isso estava parado.


Qual o critério para escolher onde colocar esses recursos?

Estamos definindo isso. A ideia é que, se um desmatamento ilegal ocorreu no Pantanal, por exemplo, o dinheiro de conversão daquela multa deve ser destinado para a restauração do Pantanal e ações de conservação daquele bioma. Isso está ocorrendo, por exemplo, com alguns contratos que vamos assinar na mata Atlântica, onde há muito projeto para restauração. Basicamente, a ideia é que o recurso volte para o próprio ambiente que foi prejudicado.


Qual é a expectativa de execução financeira desse programa de conversão de multas?

Ainda não temos uma ideia clara disso, queremos fazer uma campanha para que as pessoas saibam dessa alternativa, porque muita gente ainda não sabe. Hoje eu tenho R$ 29 bilhões de multas em estoque que foram emitidas nos últimos dez anos e que estão paradas.


E muitas delas estão prescrevendo. Como evitar isso?

Esse volume gigantesco de multa foi propositalmente abandonado pelo último governo. Todo dia tem multa prescrevendo. Sabemos que a gente não vai conseguir salvar tudo, mas estamos numa força-tarefa para evitar que isso seja perdido. Eu acredito que, com os recursos das conversões, podemos ter o maior programa de restauração ambiental do Brasil.


Qual é a situação, neste momento, do processo de licenciamento de petróleo voltado para a Foz do Amazonas?

Segue em análise. A empresa entregou um pedido de reconsideração e a equipe tinha licenciamento está analisando isso.


Qual o prazo desta análise?

Não tem prazo. A posição do Ibama sobre a inviabilidade do projeto pode ser revista? É a equipe técnica que vai analisar. Sem sombra de dúvida, eles melhoraram muito o projeto. Agora, obviamente ainda não se tem aquele estudo, que é a avaliação estratégica.


O Ibama tem usado tecnologia para fazer seus embargos, mas sofre com falta de agentes ambientais. Quando haverá contratação?

Sim. Devemos ter concurso público no começo do ano que vem, porque, neste ano, não houve orçamento para isso, mas com certeza teremos em 2024. Isso já está sendo tratado com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Enquanto isso, estamos tomando algumas medidas possíveis.


Que medidas?

Vamos tratar, nos próximos dias, de chamar o pessoal das vagas remanescentes que ficaram do último concurso, realizado no começo do ano passado. Foi um concurso malfeito, para atender a uma decisão judicial, que pegou um perfil em quase todo técnico. Mesmo assim, conseguimos garimpar o pessoal e estamos formando 160 fiscais novos. Esse pessoal já foi chamado, fez curso de tiro etc. O pessoal está super emocionado de ser chamado e poder colaborar.


Por André Borges, para o Um Só Planeta

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