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Contra mineração, movimento luta para proteger a Serra da Chapadinha




Porção sul e desprotegida da Chapada Diamantina está na mira da mineração e segue vulnerável também à grilagem e desmatamento. Proposta de unidade de conservação é indicada ao governador baiano


Emoldurada por paredões rochosos imponentes, a cachoeira da Encantada despenca por 283 metros até reencontrar o leito do rio Samina. O curso d’água, que serpenteia pelo cânion, entre pedras e árvores, marca um dos limites do Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia. Na margem norte, uma unidade de conservação de proteção integral. Na margem sul, um território ainda desprotegido. A região é conhecida como Serra da Chapadinha e possui atributos equiparáveis ao do vizinho – presença de espécies ameaçadas, importância hídrica e beleza cênica. A serra, entretanto, segue vulnerável à mineração, especulação imobiliária, desmatamento e caça.


Pesquisas minerais em andamento próximo a rios e nascentes acenderam o alerta de moradores, preocupados com o abastecimento de água da região. Para garantir a proteção da serra, foi criado o movimento Salve a Serra da Chapadinha e, com ele, foi dada largada em uma corrida contra o tempo para criar uma unidade de conservação que a proteja.


A mobilização popular foi encampada pelo deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA). No final de maio, ele encaminhou uma indicação (n° 26.650/23) ao governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA) para transformar a Serra da Chapadinha em uma área protegida. O documento destaca a necessidade da medida para “preservação e conservação de uma das mais importantes regiões de recarga hídrica responsável pelo abastecimento da água de 80 municípios, inclusive a capital, no Estado da Bahia”.

No início de junho, o processo foi aprovado pela maioria da Comissão Diretora da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA).




“Esse já foi um passo fundamental que o legislativo baiano tomou para expressar que é preciso uma intervenção urgente do Estado para garantir a preservação e conservação desse santuário ambiental, do qual dependem muitas vidas na Bahia”, comemorou o deputado do PSOL, que acrescenta que este movimento não se encerra no parlamento. “Estamos disseminando a campanha das comunidades locais em defesa de Chapadinha com o apoio da bancada do PSOL na Câmara Federal, universidades públicas, entidades e movimentos voltados à defesa da água e meio ambiente”.


Um abaixo-assinado virtual pela criação da unidade de conservação já havia recebido mais de 18 mil assinaturas no fechamento desta reportagem. No Instagram, a página do movimento “Salve a Serra da Chapadinha” conta com quase 15 mil seguidores.


Não há especificação sobre qual deve ser a unidade de conservação, mas entre os articuladores do movimento, a opinião é de que deva ser um Refúgio de Vida Silvestre (REVIS), categoria de proteção integral que não exige a desapropriação dos proprietários, desde que estes adequem suas atividades aos objetivos da área protegida.


A indicação está sendo analisada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema-BA). Em nota, a Sema informa que já há uma conversa com o governador sobre a proposta e “nesse sentido uma preparação para possível criação que culminaria na assinatura e publicação de um Decreto. Não é um processo rápido porque depende de estudos, identificação dos alvos de conservação e da melhor forma de proteção, consultas e audiências públicas para conhecimento de toda a população”.



De acordo com a secretaria, o processo depende ainda de apoio técnico e financeiro – que pode vir de universidades, órgãos públicos, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil – para realizar os estudos. “Estima-se que o processo pode durar até 3 anos”, afirma a Sema, que também admite a importância hídrica da Serra da Chapadinha e sua beleza cênica.


A área protegida contemplaria um território de cerca de 18 mil hectares distribuídos em três municípios, sendo a maior parte em Itaetê e duas porções menores em Mucugê e Ibicoara.


Um dos municípios abarcados pela unidade de conservação proposta, a prefeitura de Ibicoara enviou uma moção de apoio à proteção da Serra em que reforça o alerta sobre a crescente pressão imobiliária e extrativista na serra, e cobra ação do poder público estadual para criação da área protegida.


Os municípios de Itaetê e de Mucugê não se manifestaram publicamente sobre a proposta. ((o))eco procurou as prefeituras, mas não obteve resposta de nenhuma delas.


Apoio regional à proposta As prefeituras de Itaberaba, Baixa Grande, Ibicoara e Santo Estevão enviaram moções de apoio à proposta da área protegida. Com discurso similar, os municípios reforçam a importância hídrica da Serra da Chapadinha, sua grande biodiversidade e a relevância ambiental dos serviços ecossistêmicos gerados. A Câmara Municipal de Palmeiras também se manifestou a favor da unidade de conservação.

Outros dois vereadores, Pedro Melo (PT-BA), do município de Cruz das Almas; e Luma Menezes (PDT-BA), de Alagoinhas, também fizeram moções de apoio à unidade de conservação.

A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores (PT) da Bahia também apoiou a iniciativa, com um alerta particular às pressões da mineração. “Trata-se, portanto, de um local de riqueza ambiental singular, cuja aptidão é a proteção e conservação com usos compatíveis com as suas características, nos quais a atividade de mineração não se enquadra”, diz trecho do documento.


Mineração na espreita

Enquanto a proposta de criar uma área protegida não se concretiza, o território da Serra da Chapadinha segue vulnerável. Um dos principais interessados na “desproteção” da serra é a mineração, que cobre quase toda Serra da Chapadinha com processos que visam a extração de minérios. Ao todo, são mais de 14 mil hectares de áreas com autorização de pesquisa mineral na região da Serra da Chapadinha, de acordo com dados abertos da Agência Nacional de Mineração.


O maior número de pedidos refere-se a minério de ferro, mas também há interesse em quartzito e, fazendo jus à história de exploração da Chapada, até mesmo diamante. A pesquisa em busca da pedra preciosa já está em andamento e abrange 149 hectares localizados na borda da serra, próximo à entrada do cânion que leva à Cachoeira da Encantada. A área fica próxima à nascente que abastece o assentamento de Baixão, onde vivem 160 famílias. O processo de pesquisa teve início em 2017 e possui alvará válido até 2025.


Durante a fase de pesquisa, a empresa é autorizada a fazer uma exploração inicial da área – sem fins comerciais – para definir a jazida e a viabilidade econômica da extração.


A maior preocupação dos moradores está no pé da serra, onde há uma pesquisa para extração de minério de ferro nas margens do rio Timbozinho, afluente do Una. A área, de 999 hectares, está em nome da Mineração Novo Rumo Ltda.


“Essa atividade [mineração] já mostrou demasiadamente os rastros de destruição que deixa nos territórios onde se instala. É um empreendimento que coloca em risco o meio ambiente, a biodiversidade, os povos e comunidades tradicionais que fazem uso ancestral dos territórios tão cobiçados por esse tipo de exploração de grande impacto”, reforça Hilton Coelho.


A reportagem foi ao local no início de junho acompanhada de um morador que não será identificado por motivo de segurança. Andamos cerca de 500 metros – apenas uma parte da área prospectada – em trilhas estreitas que sobem e descem num morro florestado, e passam ao lado de incontáveis pedras de tamanhos variados. As maiores são verdadeiros colossos enquanto as menores são do tamanho de um carro. Ao redor de algumas delas foram escavados buracos semelhantes à trincheiras, feitos para revelar a parte enterrada da rocha.


Boa parte da superfície das pedras que não está coberta pela terra ou pela vegetação reluz e exibe veios pretos, indicadores da presença do minério de ferro. Da trilha ao lado das pedras até o leito do Timbozinho são menos de 100 metros.



“Agora me diz, como eles vão tirar tudo isso daqui sem impactar o rio? Eles vão comer esse morro, vão levar a mata junto e vai tudo pro rio”, comenta o morador.


Em meados de abril, depois de receber denúncias de extração irregular de ferro e desmatamento, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) realizou uma operação de fiscalização que resultou na interdição temporária da atividade. “Mas essa atuação do Inema ainda é insuficiente. A interdição foi feita em apenas 1/4 da região”, comenta o deputado Hilton Coelho.


((o))eco entrou em contato com o Inema para ter mais informações sobre a atividade, quais as irregularidades encontradas, se a empresa foi autuada e se a pesquisa mineral já foi retomada, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.


A Mineração Novo Rumo está sediada no município de Itaetê e foi aberta em fevereiro de 2023. A licença para pesquisa na área foi protocolada inicialmente em 2017 e já passou na mão de três empresas titulares diferentes até ser cedida, em maio deste ano, para a recém-criada Mineração Novo Rumo. Um dos atuais sócios da companhia, a empresa Tree Stone Mineração Ltda, é a antiga titular da área.

Já seu administrador, Daniel Rezende, é titular de processos de pesquisa mineral ativos em duas áreas vizinhas de 1.998 e 998,55 hectares, também para exploração de minério de ferro. Ambas foram iniciadas em 2022 e possuem alvarás com validade até 2025.

((o))eco tentou contato pelos números de telefone informados nas fichas cadastrais da Mineração Novo Rumo e da Tree Stone, mas não foi sequer atendido.


Há ainda um processo mais recente, protocolado em 26 de maio deste ano pela empresa mineradora Ubax Ltda que abrange 827 hectares nas duas margens do rio Una. Até a publicação desta reportagem, ainda não havia sido concedida autorização para que comece a pesquisa mineral.


No Assentamento Colônia, a dona de pousada Iolanda Santos, 56 anos, é categórica. “Toda a cidade é contra. [Se a mineração entrar] Acaba com a gente, acaba com o rio, seca com o rio, traz doenças. O que eu puder fazer contra eu faço”.


Colônia é o mais antigo e o maior assentamento da região, com 8 mil hectares e quase 300 famílias. Ele é um dos mais próximos da região da Serra da Chapadinha, assim como Baixão, Valdete Correa e Europa, porém todos os nove assentamentos de Itaetê e as três comunidades quilombolas da região dependem das águas que vêm da Serra.




“Em termos socioambientais seriam mais de mil famílias em situação de vulnerabilidade muito maior”, destaca o antropólogo do Conselho Pastoral da Terra (CPT) da Bahia, Claudio Dorado.


A CPT, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e o Observatório de Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina lideram a articulação para criar uma unidade de conservação na Serra da Chapadinha. Juntas, as organizações assinam uma carta ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima sobre a importância de proteger a serra.


O antropólogo da CPT alerta que, para além dos impactos ambientais, a mineração traz uma mudança na matriz econômica da região. “Há um risco inclusive de reconcentração da terra, porque eles [assentados] não conseguem mais sobreviver na área e aparece a própria mineradora ou algum fazendeiro fazendo a especulação dessa área e reconcentrando a terra”, explica.


Serra da Chapadinha: linda e vulnerável

Durante a reportagem, a equipe de ((o))eco foi a campo conhecer a Serra da Chapadinha. Do povoado de Rumo, um distrito de Itaetê, o acesso segue por uma estrada de terra que serpenteia serra acima, alternando o solo vermelho, com pedras e lajedos, cruzando rios e areais.


Num dos trechos mais baixos, cruzamos uma área alagadiça, convertida num lamaçal pelas rodas de tratores e caminhões. “Estão alargando a estrada”, conta o guia local Sidney, “para melhorarem o acesso e os caminhões poderem subir pra levar a madeira”.

O território da Chapada da Diamantina está sob regime especial da Lei da Mata Atlântica, o que garante (em tese) proteção extra para a vegetação e regras mais restritas para exploração econômica. Entre os ambientes particulares da serra estão os brejos de altitude, ecossistema único e ameaçado.


A região é rica em candeia, árvore que se desenvolve bem em solos rasos. Sua madeira é muito explorada para fazer mourões de cerca, mas seu maior valor está no óleo, que é extraído da casca. Com propriedades medicinais, ele é vendido bruto ou destilado (alfabisabolol, que é vendido por cerca de 90 dólares o quilo).


“Foram comprando as terras de todo mundo. Quase todo mundo vendeu. Vão tirar toda a candeia”, denuncia o guia, enquanto aponta para uma dezena delas visíveis da beira da estrada.


Em pleno sábado, quando descíamos a serra, flagramos as máquinas trabalhando na estrada.




Em outro ponto, já no pé da serra, foi possível ouvir o barulho da motosserra numa área de frente para a placa “Fazenda Sossego da Chapadinha”,da empresa Citroflora.


A empresa, aberta em 1997, está sediada no município de Ituaçu, a cerca de 120 quilômetros da Serra da Chapadinha. De acordo com as informações que constam no cadastro de pessoa jurídica, a principal atividade da empresa é a fabricação de aditivos de uso industrial. Na lista de atividades secundárias estão a fabricação de óleos vegetais em bruto; extração de madeira e produção de carvão vegetal em florestas plantadas; e comércio de madeira e artefatos.


“A fazenda? Está à venda”, respondeu Nivaldo Pamplona, sócio-administrador da Citroflora em conversa telefônica com ((o))eco quando questionado sobre a propriedade na Serra da Chapadinha. “Não tem nenhuma atividade lá. Estão sendo feitos aceiros porque tem muito incêndio lá e estamos fazendo acessos, contribuímos com a estrada do [povoado de] Rumo até lá em cima”, afirma.


Para fazer os aceiros, ele admite que teve que cortar um pouco a floresta, “porque é mata fechada. Não se consegue fazer aceiro de um metro de largura, tem que ter 2, 3 metros, para dar acesso”. De acordo com ele, tudo feito com permissão do órgão ambiental. O Inema não respondeu nosso questionamento sobre a propriedade e as atividades licenciadas na serra.


“É uma região que tem muita candeia, mas muito complicada de trabalhar, até mesmo de mão-de-obra”, reclama o proprietário. “Estou terminando o trabalho na estrada e está todo mundo chocado, o pessoal não quer que desenvolva. É muita denúncia, muita complicação, muita dificuldade de trabalhar…”, completa. Ele acrescenta ainda que a fazenda, com 203 hectares, é a única propriedade da empresa na serra.


Questionado, Nivaldo disse que não estava sabendo da proposta da unidade de conservação na Serra da Chapadinha.


Fonte: ECO

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