Governo federal promete lançar no fim do primeiro semestre de 2024 o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Mata Atlântica
Com histórico de devastação iniciado logo após a chegada dos colonizadores europeus, há mais de 500 anos, a Mata Atlântica tornou-se o bioma brasileiro com os piores índices de conversão da cobertura vegetal original e consequente perda de biodiversidade. Nada menos que 71,3% das áreas de florestas tropicais nativas, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), já foram desmatadas para exploração durante diversos ciclos econômicos (como florana-de-açúcar, ouro e café), expansão da ocupação urbana (no bioma vivem cerca de 70% dos brasileiros, aproximadamente 145 milhões de pessoas), construção de ferrovias e rodovias e avanço da agropecuária.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), a Mata Atlântica detém a segunda maior biodiversidade das Américas, perdendo apenas para a Amazônia. Apesar de ser o único bioma a usufruir de uma norma específica — a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428, de 2006) — e ser considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal, como um grande centro de espécies endêmicas (que só ocorrem na região), a floresta continua em risco.
Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, de 11,8 mil espécies de animais e plantas da Mata Atlântica avaliadas em 2022, 24,1% (2.845) estavam ameaçadas. O percentual continua crescente (em 2014, era de 22,3%) e é bem superior aos dos demais biomas: no Cerrado, por exemplo, onde a situação também é crítica, os índices ficaram na casa de 16% nos dois anos comparados.
Tema da quarta publicação da série “Biomas”, da Agência Senado, a Mata Atlântica se espalha pelo maior número de regiões brasileiras: está presente em 3.429 municípios de 17 estados, sendo 100% dominante no Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina e em 98% do Paraná. Ocorre ainda em Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás e oito estados do Nordeste: Bahia, Sergipe, Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. A área original do bioma no Brasil é 1,1 milhão de quilômetros quadrados, mas também há uma pequena porção na Argentina e no Paraguai.
Apenas 12% bem preservados
— As florestas da Mata Atlântica foram as mais devastadas do país e hoje o bioma conta com apenas 12% de florestas bem preservadas e maduras, em relação à cobertura florestal original. Sob o ponto de vista ecológico, uma perda de área nessa magnitude significa uma tragédia em termos de conservação da biodiversidade e manutenção de processos naturais vitais e dos quais nós dependemos, como ciclo das águas, regulação do clima local e regional, formação e preservação de solos e equilíbrio de processos ecológicos como polinização, dispersão de sementes das florestas e controle de pragas — afirma o consultor legislativo do Senado Matheus Dalloz.
Um recente alento foi registrado com a divulgação, pelo Sistema de Alertas de Desmatamento Mata Atlântica (o SAD, parceria da Fundação SOS Mata Atlântica com a rede colaborativa MapBiomas e a ArcPlan), de queda de 59% no desmatamento do bioma nos primeiros oito meses de 2023, em comparação com igual período do ano anterior. De janeiro a agosto do ano passado, foram derrubados 9,2 mil hectares, contra 22,2 mil do mesmo período de 2022. Um alívio, após quatro anos de crescimento contínuo da devastação.
— Houve uma queda abrupta em 2023 (ainda com dados parciais, de janeiro a agosto), quando o desmatamento caiu 59% na maior parte do bioma. Mas nos enclaves da Mata Atlântica no Cerrado e na Caatinga houve até um aumento. Estamos numa nova fase de reversão da tendência do desmatamento. Esperamos que a Mata Atlântica possa ser o primeiro bioma a alcançar o desmatamento zero nos próximos anos — diz o diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.
Avanço do desmatamento na Mata Atlântica — Foto: Reprodução / Agência Senado
Ter uma lei específica para o seu uso, conservação e restauração é muito importante e representa “uma conquista enorme”, segundo Pinto. Ele atribui à lei parte da força que promoveu a redução drástica do desmatamento, que até o início dos anos 2000 chegou a alcançar uma média de 100 mil hectares por ano. O número assumiu então um processo de reversão, chegando a 10 mil hectares/ano em 2017, mas voltou a subir para cerca de 20 mil/ano entre 2019 e 2022. Para o diretor da Fundação, o retorno do funcionamento da política ambiental brasileira, da maior fiscalização pelos órgãos ambientais, o embargo de áreas desmatadas, a aplicação da Lei da Mata Atlântica e também o corte do crédito rural para desmatadores ilegais colaboraram para um novo declínio da devastação no ano passado.
— A Lei da Mata Atlântica poderia ser aprimorada, mas o mais importante agora é mantê-la, pois tem sido atacada. Precisamos manter sua integridade e a garantia de que ela continuará a existir e continuará a ser aplicada. Ela não tem sido aplicada corretamente por órgãos ambientais estaduais, principalmente nessas regiões onde a Mata Atlântica está encravada na Caatinga e no Cerrado — afirma o diretor da SOS Mata Atlântica.
Ocupação desordenada
O consultor legislativo Dalloz também reconhece a importância de se ter e manter uma lei específica de proteção — o que, a seu ver, não deveria estar restrita à Mata Atlântica, mas também aos demais biomas.
— Infelizmente, todos os biomas brasileiros passam por um processo de ocupação desordenada, com exploração não sustentável e degradação dos ecossistemas, mesmo que cada bioma tenha suas próprias particularidades em termos de história natural e de ocupação humana. A realidade de crescimento da economia e da sociedade em descompasso com a proteção do meio ambiente aconselha, com alguma urgência, discussões de medidas legislativas e implementação de instrumentos de planejamento de uso do solo (como o zoneamento ecológico-econômico) a fim de estabelecer e orientar como o país pode se desenvolver, em cada uma dessas áreas, de maneira sustentável e com respeito às nossas riquezas naturais.
Para o senador Fabiano Contarato (PT-ES), o Estado tem o dever de zelar pelo cuidado e pela segurança dos biomas, mas a população precisa entender que esse também é um dever individual:
— É não jogando lixo nas matas, não desmatando, não destruindo, não invadindo. Temos a nossa responsabilidade em cuidar da preservação ambiental, sempre lembrando que essa é uma missão global e de garantia da vida humana. Esse alerta merece ainda mais destaque para as empresas e agentes do setor produtivo, que utilizam grandes quantidades de recursos naturais em seus processos produtivos e podem influenciar diretamente a cadeia de consumo.
Mudanças na lei barradas no Senado
Em 2023, o Senado rejeitou emendas da Câmara dos Deputados à Medida Provisória (MP) 1.150/2022, que originalmente apenas alterava o Código Florestal para ampliar o de prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental. As emendas traziam propostas de mudanças significativas à Lei da Mata Atlântica, como a previsão de hipóteses de desmatamento sem medidas de compensação.
É o que seria permitido, por exemplo, para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto ou sistemas de abastecimento público de água. As emendas da Câmara abririam espaço, inclusive, para que não houvesse a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) ou compensação de qualquer natureza, com dispensa, ainda, da captura, coleta e transporte de animais silvestres.
Os senadores rejeitaram as emendas sob o argumento de não tratarem do mesmo tema da MP original. Ao voltar para a Câmara, as impugnações do Senado não foram acatadas e o texto com modificações à Lei 11.428 seguiu à sanção. Contudo, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vetou os trechos do projeto de lei de conversão que ampliavam os riscos à Mata Atlântica — decisão que, após acordos, acabou por ser acatada pelo Congresso quando da análise e manutenção dos vetos à norma.
Relator da matéria no Senado, Efraim Filho (União-PB) considerou legítima “a preocupação com o avanço do desmatamento sobre a vegetação da Mata Atlântica”. O senador lembrou que o bioma já possui lei específica e que qualquer discussão sobre a alteração de sua legislação deveria se dar em outra oportunidade e por meio de projeto de lei.
— E o que vão me perguntar os meus filhos e os meus netos: "Você estava onde que deixou derrubar a Mata Atlântica? O que é que você fez para não permitir a derrubada da Mata Atlântica? Por que, meu avô ou meu pai, eu não conheço uma caviúna, uma cerejeira, uma baraúna, uma imbuia, um pau d'arco, juazeiro, jatobá, gonçalo-alves, louro, ipê, marupaúba, peroba, maçaranduba, carvalho, mogno, canela, imbuzeiro, andiroba, copaíba, pau-brasil e jequitibá? Por que eu não conheço?". Porque se derrubou criminosamente a Mata Atlântica e querem continuar derrubando a Mata Atlântica... — afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA) durante a discussão da matéria.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) também reforçou a preocupação diante do fato de a Mata Atlântica ser o bioma brasileiro com maior degradação.
— É um bioma praticamente hoje inexistente do ponto de vista da sua proteção. A Lei da Mata Atlântica trouxe alguns elementos que fazem a garantia para que não pudéssemos ter o desaparecimento desse bioma no Brasil.
Defensor da educação como instrumento de transformação, o senador Contarato diz ser essencial ensinar as crianças sobre a importância da Mata Atlântica e da preservação dos biomas.
— Uma criança que aprende que a sobrevivência dela depende de um planeta controlado vai ser um adulto muito mais consciente. Em sintonia a isso, devemos garantir a execução de políticas públicas eficientes de conservação e recuperação do meio ambiente, devemos buscar cooperação em diversos setores, investir em pesquisa, métodos de exploração sustentável e, principalmente, devemos ser rigorosos na punição a todos que cometerem crimes ambientais.
Biodiversidade sob pressão
Formada em sua maioria por florestas tropicais, a Mata Atlântica — cujo dia é celebrado em 27 de maio — proporciona algumas das paisagens mais belas e cênicas ao longo da costa brasileira. Esse rico ecossistema, assim como o Cerrado, está sendo classificado como um hotspot por deter uma grande biodiversidade, altamente ameaçada pela ação antrópica. O bioma é o mais estudado cientificamente entre os ecossistemas brasileiros e abarca o maior número de espécies conhecidas, seja na flora ou fauna.
Bastante heterogênea, a Mata Atlântica tem vegetações moduladas por aspectos de relevo, da paisagem e do clima. Além das florestas, é possível desfrutar da vista das formações de restinga (linha de praia), manguezais, campos rupestres, campos de altitude, entre outras.
Numa altitude um pouco mais elevada e mais restrita às montanhas, em um clima úmido, estão as florestas ombrófilas, ou seja, “amigas da chuva”. Já a formação de platô é geralmente mais encontrada no interior do país, onde a altitude é mais baixa em relação às matas do litoral e onde também se registram períodos de seca, quando muitas das árvores perdem parte de suas folhas.
Conforme levantamento oficial do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (braço do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima responsável pelo registro nacional) há cerca de 21,2 mil espécies de flora e funga (fungos) catalogadas no bioma, dos quais 10,5 mil seriam endêmicas do Brasil.
De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, apenas 13% do bioma está inserido em diferentes tipos de áreas de proteção, sendo que somente 9% são dedicados exclusivamente à conservação.
Recém-descoberta e já em risco
Recentemente, uma nova espécie de árvore endêmica foi descoberta no Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto (MG), uma unidade de conservação de 7 mil hectares, protegida pelo Instituto Estadual Florestal de Minas Gerais (IEF).
Biólogo e mestrando em Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Danilo Zavatin é o pesquisador líder da descoberta que também teve parceria do Instituto Tecnológico Vale e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ele não buscava essa espécie, mas outra, quando a descobriu e depois a nomeou de Mollinedia fatimae. Zavatin a identificou pelas características das plantas pertencentes ao seu grupo de estudo.
— A planta já havia sido coletada, mas nunca identificada. Porque geralmente quem coleta não conhece. E aí, só deposita lá na instituição. E ela não tem um nome, ou recebe o nome de uma outra planta, mas não é ela — expõe o pesquisador da USP.
Foram encontrados no parque apenas pouquíssimos exemplares da árvore, que pode atingir dez metros de altura. Mal foi descoberta, a Mollinedia fatimae já pode ser considerada ameaçada de extinção, segundo o coautor do estudo, o biólogo e pesquisador Renato Ramos, que explica a classificação da espécie na categoria “criticamente em perigo”:
— O desmatamento da Mata Atlântica já avançou muito ali. Minas Gerais foi, muitas vezes, um dos três estados com maiores índices de desmatamento; agora vem baixando. O que mais nos preocupa ali com relação a essa espécie é estar no limite de dois tipos de vegetação: de campo e de floresta. E o que ocorre é que o campo pega fogo. E quando começa a ampliar demais os incêndios, essa formação de campo vai começar a invadir a floresta — diz Ramos, que atua no Planejamento Territorial do Espinhaço Mineiro e no Instituto Tecnológico Vale.
Com a possibilidade de queima da borda da floresta, diante da intensificação de incêndios, como os registrados em anos anteriores, a espécie poderá perder seu habitat, já que possui uma área de ocorrência muito restrita. Segundo Ramos, há que se levar em consideração ainda aspectos relacionados à mudança do clima e, especificamente neste ano, os efeitos do El Niño.
Por Paula Pimenta, da Agência Senado
Fonte: Um Só Planeta
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