Bioma mais destruído do país, menos de 10% da Mata Atlântica é protegida por UCs
- Frente Parlamentar Ambientalista
- 26 de jun.
- 5 min de leitura
A maioria das UCs no bioma são reservas particulares. Já as Áreas de Proteção Ambiental são paralelamente as maiores e as que menos possuem vegetação nativa de pé

A ocupação portuguesa no Brasil começou pela costa. E foi na zona costeira, onde restingas, manguezais e florestas dominavam a paisagem, que começou também a história de destruição da Mata Atlântica. O desmatamento avançou continente adentro ao longo dos séculos, fazendo do bioma – que se estendia originalmente por boa parte do litoral e grandes porções das regiões sul e sudeste – sua vítima costumaz. Como resultado, a Mata Atlântica foi reduzida a menos de um quinto da sua cobertura original no país. E o pouco que sobrou segue, em larga escala, respaldado apenas pela Lei da Mata Atlântica, com menos de 10% do território do bioma protegido de fato por unidades de conservação.
Esse é o resultado de um levantamento inédito conduzido pela SOS Mata Atlântica que avaliou quanto do território resguardado pela aplicação da lei, específica do bioma (nº 11.428/2006), conta com unidades de conservação (UCs) para fortalecer sua proteção.
De acordo com a análise, dos cerca de 130 milhões de hectares sob aplicação da lei, apenas 12,861 milhões de hectares, o equivalente a 9,8%, são protegidos por UCs – descartada as áreas de sobreposição entre as unidades.
Foram identificadas 1.801 unidades de conservação no bioma, porém seis delas foram desconsideradas do cálculo por não possuírem dados disponíveis sobre uso e cobertura da terra, totalizando 1.795 no levantamento. O estudo, publicado no final de maio, não considera, por exemplo, as três unidades de conservação criadas pelo governo federal no bioma no início de junho.
As UCs mais numerosas – responsáveis por 44% do total identificado no estudo – são Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), com 787 delas na lista. Em seguida aparecem os parques, com 348 unidades de conservação; e as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), com 316. Estas últimas cobrem a maior parte do território abrangido pela Lei da Mata Atlântica e correspondem a quase dois terços da área das UCs (69,5%) e são também as que possuem a maior parte das sobreposições com outras UCs.

Tanto RPPNs quanto APAs são UCs de Uso Sustentável, ou seja, que permitem algum grau de exploração de recursos e ocupação. Ao todo, há 1.220 UCs no bioma na categoria contra 575 de proteção integral, categoria que restringe mais os usos e impactos a exemplo de parques e reservas biológicas.
O estudo aponta também uma concentração das UCs no litoral e nas regiões serranas.

“A floresta está fragmentada, a proteção é mal distribuída e muitas unidades não conseguem cumprir o papel que deveriam. É imperativo avançar na criação de novas áreas, mas de forma estratégica e fortalecendo também a implementação de todo o sistema. Esperamos que esse estudo traga uma contribuição para repensar como e onde protegemos. Precisamos de estratégias mais integradas, que considerem o território, a biodiversidade e também as pessoas”, afirma o biólogo Diego Igawa Martinez, coordenador de projetos da SOS Mata Atlântica.
Lei da Mata Atlântica sob ataque
Instituída em 2006, a Lei da Mata Atlântica é única no país ao garantir proteção especial para os poucos remanescentes do bioma. Pela regra da legislação, qualquer desmatamento de vegetação nativa de Mata Atlântica só pode ser feito mediante autorização do órgão ambiental competente, de acordo com o estágio de maturidade da mata e nunca em Áreas de Preservação Permanente (APP).
A lei, mais protetiva que o Código Florestal, que determina a preservação de apenas 20% da cobertura vegetal nativa, já sofreu diversas tentativas de esvaziamento, como a Medida Provisória 1150/2022, barrada pelo Supremo Tribunal Federal. O ataque mais recente está em jogo no texto do Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da Devastação” e já aprovado pelo Senado. A proposta, que será avaliada na Câmara, flexibiliza o licenciamento ambiental e abre portas para o desmatamento de áreas de mata primária (as mais antigas), secundária e em estágio médio de regeneração, sem avaliação do órgão ambiental federal ou dos órgãos estaduais. O PL gerou revolta entre ONGs, sociedade civil e no próprio governo.
O estudo revela que nas UCs de proteção integral, 90,6% da área é coberta por vegetação nativa. Já nas UCs de uso sustentável, essa cobertura é de apenas 49,5% do território das UCs.
Em média, a vegetação nativa cobre 59% do território das UCs, o que representa 7,6 milhões de hectares ou 17,1% de toda vegetação do bioma conforme a Lei da Mata Atlântica – a maior parte dela de formações florestais.
Entre as UCs com menor porcentagem de vegetação nativa estão as APAs (40,65%), que paralelamente são as que apresentam as maiores taxas de usos antrópicos, que vão desde pastagens até a própria urbanização.
A agricultura corresponde a 3,58% do território das UCs; pastagens cobrem 5,8%; e mosaicos de agricultura e pastagem ocupam outros 7,76% das unidades.
“As pastagens e os mosaicos de pastagem com agricultura são os principais usos humanos encontrados nas UCs da Mata Atlântica, o que revela uma oportunidade estratégica para ampliar a cobertura de vegetação nativa. A restauração de áreas degradadas – especialmente em pastagens de baixa aptidão agrícola nas UCs de Uso Sustentável – pode aliar conservação ambiental à geração de renda, por meio de modelos de restauração multifuncional voltados a produtores rurais e comunidades locais”, apontam os autores em trecho do estudo.
Os pesquisadores reforçam ainda que a criação de novas unidades de conservação é uma ação que deve ser complementar ao compromisso de restaurar a vegetação nativa. “Os dados mostram onde estão as lacunas, mas também apontam os caminhos: ampliar e qualificar as áreas protegidas, restaurar regiões degradadas e valorizar o papel de quem já contribui com a conservação”, complementa o coordenador da SOS Mata Atlântica.

RPPNs são as UCs mais numerosas na Mata Atlântica. Na foto, a REGUA, em Guapiaçu (RJ), aos pés do Parque Estadual dos Três Picos. Foto: Marcio Isensee e Sá
O papel fundamental das RPPNs
No rastro da destruição histórica do bioma, atualmente mais de 97% dos fragmentos florestais da Mata Atlântica são áreas menores do que 50 hectares. E a grande parte desses remanescentes estão em propriedades privadas. Esse contexto reforça o papel das numerosas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) do bioma e do esforço dos seus proprietários – os “rppnistas” – em proteger a vegetação nativa.
A maioria das RPPNs são pequenas em extensão. Todas as 787 contabilizadas no bioma cobrem apenas 153.275 hectares. Ainda assim, são peças fundamentais na estratégia de manutenção da Mata Atlântica.
Há mais de cinco anos tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 784/2019, de autoria do atual presidente do IBAMA e ex-deputado, Rodrigo Agostinho, que visa tornar a criação e gestão de RPPNs mais atrativa para proprietários de imóveis rurais.
“As soluções estão ao nosso alcance, mas exigem vontade política, recursos e articulação com quem vive e cuida desses territórios. Criar novas unidades, restaurar áreas degradadas e valorizar quem já protege a floresta são passos fundamentais para garantir o futuro da Mata Atlântica”, aponta o diretor executivo da SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.
Fonte: O eco
Comments