O Hemisfério Norte enfrentou uma seca histórica este ano. Por lá, ondas de calor também não foram algo pontual nos últimos meses assim como desastres causados por chuvas aqui no Brasil. Junto com tudo isso, as altas taxas de desmatamento, queimadas e a ineficiência do governo federal para tratar do problema vêm preocupando não só ambientalistas e lideranças indígenas como também órgãos de controle do governo.
Mas será que o tema ambiental vem sendo realmente levado a sério ou estamos ignorando uma crise diante dos nossos olhos? Qual a percepção da população sobre a importância de se discutir os impactos desiguais do aquecimento global e o que pode ser feito para limitá-lo? Como chamar atenção para o que já pode ser feito? E quais as perspectivas de ativistas para o próximo ano?
Para discutir essas e outras questões o g1 ouviu climatologistas e ativistas ambientais. Abaixo você vai ver os principais destaques. Antes, veja um resumo desta reportagem em 5 tópicos:
Anthony Leiserowitz, diretor programa da Universidade de Yale (Estados Unidos) sobre Comunicação das Mudanças Climáticas concorda com essa constatação e ressalta que embora existam “centenas de milhões de pessoas em todo o mundo” que sabem pouco ou nada sobre as mudanças climáticas, especialmente nos países mais vulneráveis e em desenvolvimento, a maioria delas estão bem cientes das consequências locais desse problema, principalmente por causa do aumento de eventos extremos.
Um urso polar se sustenta em uma plataforma de gelo no Estreito de Franklin, no Arquipélago Ártico canadense, em 2017. — Foto: AP Photo/David Goldman, File
“Elas não têm, porém, o conceito de mudança climática para informar suas decisões futuras – onde morar, quais culturas cultivar, onde construir escolas e hospitais etc.”, diz Leiserowitz em entrevista ao g1.
O pesquisador, que se especializou em estudar justamente como nós estamos respondendo à crise climática ao redor do mundo e o que está sendo de fato difundido ou não, avalia ainda que é natural que à medida que um problema piora, a compreensão científica de uma forma geral da população sobre ele tenda a melhorar.
A questão principal, contudo, conta Leiserowitz, é que esse mesmo entendimento é inversamente proporcional em muitos dos países mais ricos.
“As pessoas desses países geralmente estão cientes sobre as mudanças climáticas, mas muitas ainda não as percebem como uma ameaça pessoal, então não se preocupam muito com isso”.
Mas como enfatizar a importância das ações imediatas necessárias para lidar com a crise climática agora?
Barry Smit, professor de geografia da Universidade de Guelph no Canadá e um dos principais especialistas em pesquisas sobre os impactos humanos das mudanças climáticas, diz que:
“Pessoas, governos, empresas e comunidades devem reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Economias de baixas emissões beneficiarão o meio ambiente, reduzirão os riscos climáticos e criarão novas oportunidades econômicas”, acrescenta.
Na COP 27, a conferência do clima da ONU deste ano, diversas entidades que atuam diretamente com jovens ativistas entregaram ao presidente eleito uma carta contendo recomendações para o próximo governo na área do meio ambiente.
Ao apontar suas perspectivas para o próximo ano na área ambiental, tanto Samara como Val Munduruku (26), gestora pública e ativista indígena da região do Alto do rio Tapajós, relembram os compromissos da carta e dizem esperar uma atuação efetiva do governo Lula principalmente nos seguintes tópicos:
Samara Assunção na COP 26, a conferência do clima da ONU de Glasgow. — Foto: Arquivo Pessoal
Mas por que as pessoas se dizem preocupadas e não vão para ação? Para Txai, a questão-chave está no fato de que a sociedade ainda olha para a pauta ambiental como se ela estivesse muito longe de todos nós.
“E isso não só na Europa ou nos Estados Unidos, mas as pessoas do próprio Brasil também são assim. Quem está em São Paulo ou quem está no Rio de Janeiro não sabe das coisas que estão acontecendo na Amazônia tanto quanto qualquer pessoa fora do Brasil”, diz.
Sobrevoo do Greenpeace em 30 de agosto na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – que está queimando há dias. — Foto: Nilmar Lage/Greenpeace/Divulgação
Essa percepção diferente ocorre, segundo Txai, porque quem sente as consequências diretas desse problema de antemão são justamente os povos originários. Ela conta que um exemplo disso é o garimpo ilegal, que não bate na porta de um morador de grandes cidades, mas que sim desafia as autoridades e invade terras indígenas, como constatou um recente estudo do MapBiomas: entre 2010 e 2020 a mineração cresceu 495% em terras indígenas.
“A gente vai falar desses invasores ameaçando a nossa vida, ameaçando as nossas famílias. Então é claro que é um entendimento diferente, mas todo mundo deveria entender que se a gente perde a floresta, a gente está condenando nosso futuro, não só o dos povos indígenas, mas de todos”.
“E se a gente não protege a Amazônia, a gente entra num processo de não retorno, e quem perde somos todos nós que dependemos da Amazônia”, acrescenta Val Munduruku.
Apesar disso, segundo a mesma pesquisa de Yale, os impactos econômicos necessários para reduzir a mudança climática são mais percebidos por aqui. Tanto no Brasil, como no Malaui e Angola, 77% dos entrevistados falaram que são mais propensos a pensar que a ação para reduzir a mudança climática melhorará o crescimento econômico e criará novos empregos.
O que acontece, ainda segundo Txai, é que as pessoas ainda não se deram conta, principalmente nas grandes cidades, que já estamos sofrendo neste momento as consequências da crise do clima ao redor do mundo, seja com as ondas de calor cada vez mais comuns ou chuvas e secas severas.
“Não temos tempo para nada. Você não tem tempo para pensar. Estamos sempre correndo. Você está sempre indo trabalhar, pensando no dinheiro que você não ganhou, você não tem tempo para pensar em nada. Você não tem tempo para pensar sobre você, imagina pensar sobre o mundo, pensar sobre o planeta?”, diz a indígena de Rondônia que ficou conhecida após seu discurso na abertura da COP26.
Se algumas pessoas simplesmente não querem aceitar os fatos porque isso não as preocupa, outras tantas são influenciadas pela propaganda negacionista do aquecimento global, avalia Smit.
“Elas são influenciadas por alguns setores de combustíveis fósseis que temem que a verdade possa prejudicar seus negócios. Algumas são apenas contrárias, ou obtêm suas informações de fontes que espalham teorias da conspiração. Algumas pessoas, porém, simplesmente ignoram os fatos”, reconhece.
Txai Suruí fala na abertura da COP26, em 1º de novembro de 2021. — Foto: Karwai Tang/UK Government
Samara faz um comparativo com a pandemia e diz que embora a crise do clima possa ser tão grave quanto a causada pela Covid-19, a emergência de saúde mostrou que é possível a sociedade mudar seus hábitos e padrões de comportamento em prol de uma causa.
“Se a gente foi capaz de provocar essas mudanças que vieram com a Covid para sobreviver, eu acredito que a gente também é capaz de mudar os nossos hábitos para que a gente não precise fazer algo para sobreviver, mas sim para viver bem”, ressalta a estudante de Energia e Sustentabilidade.
“Os cientistas tiveram que descobrir o que era a Covid, como funciona, quais impactos tem, quem é mais vulnerável e como nos proteger à medida que a pandemia se espalhava. Eles tiveram que construir o navio enquanto estávamos navegando. O mesmo vale para as mudanças climáticas”, acrescenta o cientista americano Anthony Leiserowitz.
“A nossa luta é uma luta local, mas que traz consequências globais. E assim, se cada um trabalhar do seu local, a gente consegue transformar o mundo”, acrescenta Txai.
Fonte: G1